Nossa realidade
Por Henrique Terroni Filho
13/09/2006
Normalmente meus assuntos são para tenistas amadores, que têm no tênis uma atividade saudável e prazerosa. Procuro, fruto de longa experiência, dar "dicas" sobre o aprendizado, evolução, comportamentos etc.
Todavia, freqüentemente sou instado, por e-mails ou pessoalmente, a dar minha opinião sobre como vejo o tênis no nosso país. A questão mais freqüente é por que não temos um tênis de primeiro mundo. Minha resposta é objetiva e óbvia: porque não somos um país de primeiro mundo.
Em um rápido olhar nos 50 melhores ranqueados da ATP, veremos a predominância de europeus, americanos e alguns do Leste europeu. Mas e a Argentina? Um país com tradição tenística, com 6 jogadores entre os 50 melhores, é um "primeiro mundo" do tênis. E algumas exceções, como cipriota ou tailandês, com certeza foram formados e treinados nos grandes centros.
E o Brasil? Iniciei esta matéria dizendo que escrevo predominantemente para amadores. Sem ironia, sou obrigado a continuar falando de amadorismo. Pois o tênis no Brasil é amador. Na sua estrutura, organização, nos dirigentes de alguns anos a esta data, na qualidade técnica da grande maioria dos professores, na gestão de grande parte de Clubes e Academias, no planejamento para popularizar e alavancar o esporte, na ausência de incentivos públicos e privados na formação de novos jogadores, etc.
Finda a "era Guga", um fato isolado fruto de seu talento, obstinação e de seu técnico, jamais de uma estrutura organizada e planejada, o que temos?
Posição subalterna na Davis, nenhum jogador entre os 100 primeiros do mundo (até a feitura desta coluna, qualquer alteração não mudaria muita coisa), desempenho pífio dos nossos profissionais pelo mundo e principalmente nenhuma expectativa de surgimento de valores reais, não "promessas" meteóricas fadadas a permanecer, com sorte, entre os 200 e 300 do mundo.
Não, não serei repetitivo aqui, transcrevendo e reiterando queixas, reclamações, cobranças, comparações, soluções imediatistas, etc., que povoam há longa data artigos, entrevistas, matérias, murais e correspondências a revistas e sites tenísticos.
Vejo o assunto de uma forma mais abrangente. Acredito que a situação do nosso tênis é reflexo direto da situação do país.
Um país que trata de forma amadora questões fundamentais como saúde, educação, segurança pública, etc., tem representantes envolvidos em escândalos e corrupção e ficam impunes, vai importar-se com o esporte? Principalmente o tênis, individual, que não tem apelo político e não rende dividendos eleitorais?
Um país que, segundo a ONU, possui uma das piores distribuições de renda do mundo, uma péssima colocação no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), além de outras "primeiras colocações negativas", terá um tênis de primeiro mundo?
Ouço que grandes empresas multinacionais, algumas do segmento esportivo, pouco ou nada investem no tênis brasileiro. Não é esta postura que adotam em países onde o tênis é levado a sério, onde os dirigentes não estão envolvidos em desmandos, luta pelo poder, auditoria para comprovação de desvios de verbas e batalhas judiciais, como recentemente ocorrido.
Um grande sábio da Antiguidade disse: "Assim como é em cima, é em baixo." Acho que esta frase resume tudo.
Diante deste cenário, não me surpreendo ao saber que tal torneio foi mal organizado, não há incentivos nem investimentos em jovens promissores, pesam desconfianças sobre a competência e honestidade deste ou daquele dirigente, inexiste planejamento para um trabalho de base, crianças são lançadas em competição sem nenhum preparo, o profissional A ou B caiu na primeira ou segunda rodada de um torneio secundário e por aí afora.
Creio que é momento de encarar o assunto com realismo, com os pés no chão, sem falsas ilusões.
O nosso tênis será sério, competitivo a nível internacional, de primeiro mundo, quando o país for sério, competente, ética e moralmente responsável.
Quando as notícias, diárias, deixarem de mostrar as mazelas na saúde pública, na educação, na distribuição de renda e na segurança. Que não tenhamos de "engulir" a cada dia o novo escândalo envolvendo corrupção daqueles que foram eleitos para nos representar. Quando a ética e a moralidade não forem lembradas apenas nos palanques, por ocasião das eleições. Quando isto ocorrer, com certeza teremos um Esporte e conseqüentemente um tênis de primeiro mundo.
Enquanto isto não ocorre, e acho que vai demorar, vamos valorizar o amador que tem no tênis uma atividade prazerosa e saudável, a criança que está dando os primeiros passos num esporte completo como é o tênis e comemorar, sem falsas ilusões, quando um profissional brasileiro obtiver um desempenho razoável, fruto unicamente de seu esforço, num torneio secundário ou conseguir a façanha de entrar num Grand Slam, mesmo sabendo que dificilmente passará da primeira rodada.
E, principalmente, vamos cada um continuar dando sua contribuição. Fazer a sua parte com seriedade, respeito e profissionalismo. Dirigentes, responsáveis por Clubes e Academias, profissionais da mídia, professores e treinadores.
Para que o tênis continue sendo um esporte apaixonante e saudável. Mas com os pés no chão. Conscientes de nossa realidade. Sem a ilusão que alguém, de repente e saído do nada, será um novo Guga.
Opiniões? Comentários? hterroni@ig.com.br
Henrique Terroni Filho, 1ª classe da Federação Paulista, participou de competições oficiais nacionais e internacionais até meados de 1970. Professor de tênis para adultos e crianças há 25 anos. Autor do Programa "Tênis: terapia para crianças", em conjunto com psicólogos. Consultor para clubes e academias nas áreas administrativa, financeira e técnica. Formação em Administração de Empresas, pós-graduação em Administração Financeira e Marketing, curso em Psicologia do Esporte. |
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