Por Prof. Dr. Ludgero Braga Neto
Há oito anos, escrevi um texto no site
TenisBrasil abordando esta freqüente dúvida entre muitos tenistas. A partir deste texto, recebi muitos e-mails questionando sobre as vantagens e desvantagens de cada um dos dois tipos de backhand. Resolvi então pesquisar este tema, que fez parte da minha Tese de Doutorado, concluída em 2008, na Universidade de São Paulo.
Antes da década de 70, realizar um golpe de esquerda (backhand) com duas mãos era exceção, quase uma heresia. Este golpe nem era citado nos livros de tênis da época. Só passou a receber um pouco de atenção quando jogadores como Jimmy Connors, Chris Evert e Björn Borg começaram a ganhar importantes títulos golpeando o backhand com ambas as mãos.
Atualmente, é fácil verificarmos que grande parte dos tenistas profissionais adotaram o backhand com duas mãos. Apesar deste fenômeno ocorrer principalmente no tênis feminino, também vem ganhando força no masculino: 16 tenistas entre os 20 melhores do mundo (Ranking da ATP em 01 de Novembro 2010) utilizam o backhand com duas mãos. Apenas quatro tenistas utilizam o backhand com uma mão: Federer, Youzhny, Almagro e Ljubicic. Na mesma data, o Ranking da WTA apresenta apenas duas tenistas entre as 20 melhores que utilizam o backhand com uma mão: Schiavone e Henin.
Não podemos negar então, que o backhand evoluiu para duas mãos. Porém, ainda existem extensas discussões entre os técnicos sobre as vantagens e desvantagens de cada golpe. Infelizmente, estas dúvidas acabam se estendendo aos tenistas em fase de formação. Penso que a melhor maneira de tentar resolver esta dicotomia é buscar respaldo na Ciência que mais se aproxima às questões técnicas do tênis: a Biomecânica.
Assim sendo, apresentarei uma comparação entre os dois tipos de backhand, analisando 9 aspectos técnicos baseados em livros especializados e principalmente em estudos científicos. Apresentarei também, alguns resultados obtidos a partir da minha Pesquisa Científica.
ALCANCE – Talvez este seja um dos mais óbvios. Em bolas mais curtas ou laterais, quem utiliza o backhand com uma mão leva vantagem, pois terá a chance de realizar uma extensão total do cotovelo. Nestas situações extremas, o tenista que utiliza o backhand com duas mãos terá seu alcance reduzido devido ao posicionamento da mão não-dominante sobre o cabo da raquete, o que impede a extensão do cotovelo. A Foto 01 mostra esta diferença. Podemos concluir então, que para golpear o backhand com duas mãos, o tenista deverá se aproximar um pouco mais da bola. Além dessa maior distância a ser percorrida, golpear a bola utilizando-se do backhand com duas mãos, torna mais difícil o deslocamento do tenista em direção à bola, o que exige uma maior coordenação.
Foto 01 – Comparação do Alcance entre os dois Backhands.
ANGULAÇÃO - Quem utiliza o backhand com duas mãos tem maior facilidade em cruzar bolas com topspin, principalmente as mais curtas, pois contam com o auxílio do antebraço e punho não-dominante (Foto 02). Obviamente, esse auxílio não ocorre durante o backhand com uma mão.
Foto 02 – Auxílio do antebraço não-dominante no Backhand com 2 mãos.
APRENDIZAGEM – Incluiremos aqui alguns itens que são fundamentais durante a fase de aprendizagem do tênis: demanda de força muscular, coordenação motora e ponto de contato raquete-bola. Quanto à demanda de força muscular, o backhand com duas mãos é o golpe mais recomendado para tenistas iniciantes e/ou mais jovens. Distribui a sobrecarga sobre o sistema ombro/braço/antebraço/punho. Isso proporcionará maior estabilidade na cabeça da raquete no momento do contato com a bola, fase crucial do golpe. Quanto à coordenação motora, o backhand com duas mãos também apresenta vantagens, pois os segmentos corporais atuam de forma mais conjunta e não independente, como ocorre no backhand com uma mão. Além disso, o backhand com duas mãos não exige um ponto de contato tão à frente como o backhand com uma mão, permitindo ao tenista pequenos erros de timing, além de maior conforto por estar mais próximo ao corpo. Ainda, golpeando o backhand com duas mãos, o aprendiz terá menos dificuldades nas inevitáveis bolas altas, podendo utilizar também a mão não-dominante para auxiliá-lo.
Foto 03 – A aprendizagem do Backhand em crianças: grande demanda de força muscular.
PONTO DE CONTATO – O ponto de contato com a bola durante a execução do backhand com uma mão, é aproximadamente, entre 20 e 30 centímetros mais à frente se comparado ao backhand com duas mãos. Esse é um fator complicador em bolas rápidas, pois a técnica com uma mão exige maior velocidade de movimento da raquete, caso contrário o contato será atrasado.
POSICIONAMENTO DOS PÉS- O aumento da velocidade da bola durante as trocas de fundo de quadra (rally) no tênis moderno, forçou os jogadores a utilizar a posição de open stance para golpear o backhand com duas mãos. Esta posição permite ao tenista executar o golpe mantendo os pés de frente para a rede, sem a necessidade de um passo de ajuste extra. A posição clássica (square stance) posiciona o tenista lateralmente, porém exige este passo de ajuste. Sob a perspectiva tática, o open stance facilita a recuperação do tenista em direção ao centro da quadra mais rapidamente, pois ao final do golpe ainda estará posicionado de frente para a rede. Mesmo em open stance, o tenista consegue executar a rotação do quadril e ombros para golpear a bola durante o backhand. Estas são importantes fontes de potência desta técnica. Os tenistas adeptos do backhand com duas mãos, podem utilizar os dois tipos de posicionamento dos pés, dependendo da situação tática. Por outro lado, o jogador que utiliza o backhand com uma mão, poderá realizar o open stance eficientemente apenas em algumas situações específicas. Exemplos: quando necessitar realizar a fase de preparação (backswing) curta, para golpear bolas altas com o apoio no pé esquerdo (destros) ou em devoluções de saque. Confira a diferença entre o posicionamento dos pés na Foto 04, abaixo:
Foto 04 – Maior facilidade em utilizar o Open Stance com 2 mãos.
PREPARAÇÃO DO GOLPE – O backhand com duas mãos demanda um menor tempo de execução da fase de preparação do golpe (backswing). O raio de giro é menor quando comparado ao backhand com uma mão. Os cotovelos podem ser mantidos mais próximos do tronco, facilitando a preparação.
Veja na Foto 05:
Foto 05 – Raio de giro durante a preparação do Backhand.
PREVENÇÃO DE LESÕES - Ao golpear o backhand com duas mãos, o choque gerado pelo contato raquete-bola é distribuído entre os dois braços, diminuindo as chances de lesões, principalmente no cotovelo
SLICE e GOLPES ESPECIAIS – Geralmente, o backhand slice, o bate-pronto do meio da quadra e a curtinha (drop shot), são executados com a empunhadura (grip) continental, coincidindo portanto com a empunhadura da mão dominante durante a execução do backhand com duas mãos. Portanto, o tenista que utiliza o backhand com duas mãos não necessita trocar de empunhadura para realizar estes golpes. Isso é muito importante para esconder a jogada, o chamado disguise. Também é vantajoso durante a subida à rede, pois ao executar a bola de aproximação utilizando o backhand com duas mãos, o tenista não precisará trocar a empunhadura para os próximos golpes: voleio, smash ou bate-pronto. Vale ressaltar que tenistas adeptos do backhand com duas mãos, utilizam esta técnica para golpes chapados ou com topspin, e então, devem utilizar o backhand com uma mão para golpear com slice.
VELOCIDADE DA RAQUETE – Essa é uma das variáveis mais significativas na geração de potência dos golpes. Mais uma vez, os adeptos da técnica de backhand com duas mãos levam vantagem. O menor raio de giro dos executantes desta técnica fornece maior velocidade angular da cabeça da raquete no momento do contato, e potencialmente maiores velocidades lineares no momento e após este contato. Ao golpear o backhand com duas mãos, o tenista utiliza mais as articulações do cotovelo e punho, que por serem menores, geram maiores velocidades.
RESULTADO DA COMPARAÇÃO: Ao final da análise comparativa, percebemos uma ampla vantagem do backhand com duas mãos, que apresentou vantagens em 8 dos 9 aspectos abordados.
Veja na Tabela abaixo, o resumo deste resultado:
Variável: | Backhand 1 mão | Backhand 2 mãos |
Alcance | ✔ | ✗ |
Angulação | ✗ | ✔ |
Aprendizagem | ✗ | ✔ |
Ponto de Contato | ✗ | ✔ |
Posicionamento dos Pés | ✗ | ✔ |
Preparação do Golpe | ✗ | ✔ |
Prevenção de Lesões | ✗ | ✔ |
Slice e Golpes Especiais | ✗ | ✔ |
Velocidade da Raquete | ✗ | ✔ |
Apesar de a maioria das variáveis acima apontar maiores vantagens para o backhand com duas mãos, é interessante que o tenista em dúvida experimente as duas opões, para então tomar sua decisão. Aproveito para deixar algumas dicas de treino, qualquer que seja sua escolha:
Backhand com uma mão:
* Procure fortalecer o antebraço e o punho. A musculatura destas regiões são muito solicitadas durante a execução deste golpe;
* Treine rebater bolas altas, que sempre incomodam quem utiliza esta técnica;
* Faça treinos que desenvolvam seu tempo de reação, principalmente envolvendo trocas de empunhadura;
* Procure abreviar sua preparação (backswing), principalmente durante a devolução de saque;
* Faça drills para desenvolver sua cruzada curta com topspin, enfatizando a utilização do antebraço.
Backhand com duas mãos:
* Procure fazer do seu backhand com duas mãos, um ”espelho” do forehand: a mão não-dominante deve descrever a mesma trajetória da mão dominante no forehand. Desta forma, você conseguirá utilizar melhor sua mão não-dominante, sobrecarregando menos os músculos do antebraço e punho.
PESQUISA CIENTÍFICA – Após quatro anos absorvendo conhecimentos na graduação, tive a chance de ingressar na área de pesquisa, através da pós-graduação. A grande diferença é a oportunidade em gerar conhecimentos para compartilhar com os profissionais da minha área. A seguir então, apresentarei resumidamente minha pesquisa científica sobre este tema.
Justificativas do Estudo
· Backhand e Forehand são os golpes mais utilizados no tênis. Juntos, representam em média, 67% entre todos os possíveis golpes executados em um jogo;
· Poucos estudos abordam os aspectos biomecânicos do backhand;
· Utilizar os dados obtidos com este estudo para o auxílio do ensino da modalidade tênis.
Objetivo do Estudo
O objetivo deste estudo foi descrever as características biomecânicas dos músculos relacionados à utilização de duas diferentes técnicas de backhand.
Hipótese Inicial
A técnica de backhand com duas mãos demanda maiores contrações musculares para o movimento de rotação do quadril se comparada à técnica de backhand com uma mão.
Material e Métodos
O estudo contou com a participação de 10 tenistas com pelo menos 10 anos de experiência, sendo 5 adeptos da técnica backhand com uma mão e 5 adeptos da técnica backhand com duas mãos. Todos os tenistas executaram os golpes de backhand monitorados por um aparelho chamado eletromiógrafo. Este aparelho registra a atividade elétrica presente no músculo em contração. Especificamente neste estudo, monitoramos o músculo eretor espinhal, um dos responsáveis pelo movimento de rotação do quadril, e conseqüente giro do tronco. Esta atividade foi registrada em duas fases do golpe: pré e pós contato raquete-bola. A FIGURA 06 mostra parte dos equipamentos utilizados:
FIGURA 06 – Equipamento de Eletromiografia (EMG)
Resultados O músculo eretor espinhal apresentou maiores ativações durante a execução do backhand com duas mãos. Esta diferença foi evidenciada na fase pós-contato, devido à maior rotação do quadril característica desta técnica. A rotação do quadril na fase pós-contato se deve à condução do braço não dominante à frente.
Conclusão
Os resultados confirmam a hipótese inicial, confirmando que a técnica de backhand com duas mãos exige maiores contrações musculares para o movimento de rotação do quadril.
Referências Bibliográficas
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BRAGA NETO, L. Características dinâmicas e eletromiográficas do forehand e backhand em tenistas. 2008. 246f. Tese (Doutorado) - Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo, São Paulo.
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Agradecimento
Gostaria de prestar uma sincera homenagem ao maior conhecedor desta maravilhosa Ciência – Biomecânica – meu sempre orientador Prof. Dr. Alberto Carlos Amadio.
Repetirei então meus agradecimentos que estão registrados em minha Tese de Doutorado:
“Agradeço ao Professor e sempre Amigo, Alberto Carlos Amadio, por sempre acreditar que minha experiência com o Tênis deveria ser submetida à Ciência. Obrigado pelas constantes demonstrações de sabedoria e humildade”.
Prof. Dr. LUDGERO BRAGA NETO é Mestre e Doutor em Biomecânica do Tênis pela USP. Tenista 1ª Classe pela Federação Paulista de Tênis, é Coordenador Técnico da Academia Slice Tennis. Também é professor da disciplina Tênis na Escola de Educação Física e Esporte da USP e realiza Consultoria para clubes e academias.
Contatos pelo fone (11) 9281-2177
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